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03/10/2009

Eu penso em ti

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal
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Fecho os olhos e permanece essa idéia do instante, essa vontade de reter o olhar, o suspiro, o sonho a desprender-se iluminado, a emoção em voo, a palavra em pouso, o abraço lento, o gesto rendido.
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Percorro a ausência e tento refazer, numa cronologia absurda, o percurso contrário ao fim, o trajeto avesso às horas, onde o hoje fosse o ontem, onde o amanhã fosse o hoje, onde o tempo fosse o agora, onde o sim parasse no sempre.
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Antes não fosse o amor assim tão grande! Antes não me chegasse com essa voz assim tão nítida!
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Eu penso em ti. No meu silêncio eu penso em ti. E em tudo o que poderia ser, deixado em nós e habituado a nãos. E fico a me agarrar em transparências que me fazem ver com clareza tudo o que a distância cega.
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E a saudade fica ardendo nessa ausência interminável de tuas mãos.
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Helena Chiarello
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12/09/2009

Passado

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal
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Do que eu diria ao passado já se apagaram os pormenores.
E talvez nada tenha a dizer.
Até porque algumas palavras já se tornaram
só um borrado indecifrável, como pensamentos articulados
pateticamente numa carta antiga que alguma coisa molhou
e o tempo se encarregou de secar.
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Houve um tempo em que até diria
                                                             [ao passado]

que ele não se deu conta de coisas importantes.
Não cuidou de lealdades, de trocas justas.
Escolheu facilidades, superficialidades,
emoções fúteis e disponibilidades.
Não valorizou dedicações
e fez pouco caso de sentimentos e sinceridades.
Até diria que seu engano maior foi menosprezar razões,
subestimar inteligências
e acreditar demais em si e no que julgou perenidade.Mas corre o tempo e tudo muda.
E há dias aos quais não se deseja voltar.
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O que tenho a dizer
                                                             [ao presente]

é tudo o que agora importa.


Já era hora de ser assim.
Já era hora de sorrisos e mãos dadas.
De falar sobre a maciez das coisas.
De ver claro e de frente, sem a luz ferir os olhos.
De caminhar suavemente pelas emoções,
sem raivas e sustos,
sem ironias escondidas em cantos escurecidos.

De fazer planos e esperanças,
de partilhar confianças e verdades.
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Já era hora de percorrer
                                                                    [o futuro]


como um caminho largo de amor e vida.
E de abraçar as felicidades que me fazem virar as costas,
tranquila e silenciosamente, àquela sombra que deixei pra trás.

Ao presente, dou certezas.
Ao futuro, mãos estendidas.
E ao passado, indiferenças e silêncios.
[Que é onde cabe tudo o que não precisa ser dito].
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Helena Chiarello
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20/08/2009

Sementes...

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Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal


Um afeto, um tempo, esperanças.
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O espaço de um jardim
e uma primavera abismada nas mãos.

E de repente, setembro pode ter ainda mais flores...

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Helena Chiarello
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17/08/2009

Iluminâncias

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

De repente havia mais sol
e as manhãs
eram mais claras.
Os dias eram mais intensos
e pelos espaços do coração
sopravam muito mais sonhos.

E havia mais brilho, brisa e luz,
como se todas as janelas do mundo
estivessem,
de repente, abertas.

E a vida,
enamorada,
passando livre por entre elas.
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Helena Chiarello

06/07/2009

Catarse

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal
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Algumas pessoas não conseguem entender
de onde surgem as coisas que escrevo.
É simples. Eu invento.
A grande maioria desses escritos
não tem origem emocional,
ao contrário do que possam pensar
alguns maliciosos desavisados.
Apenas viagem de idéia desocupada.
As coisas surgem no pensamento
e a mão, obediente, registra.
Escrevo o que penso, a forma como sinto.
Se meus erros são físicos,
minhas respostas são emocionais.
Ou vice-versa.
E se curam com palavras.
Escritas ou ditas.
Não aprendi a ser diferente.
Adoro transformar
uma dor de tijolo caído no pé
numa dor de coração partido.
Talvez insanidade, coisa da idade.
Quem vai saber o porquê disso?
Nem eu mesma sei...
Uma vez disse a um amigo
que escrever era catarse.
Talvez eu esteja fazendo uma
"catarse emocional" daquele tijolo físico
que me caiu no pé um dia desses.
Ou "catarse física" de algum tijolo emocional?
Deixe que pensem o que quiserem.
Escrevo, porque a palavra é livre.
E se a (minha) palavra é livre,
o pensamento (dos outros) também é...
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Helena Chiarello
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14/04/2009

Aqueles dias, saudade...

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

Hoje corri criança, 
na lembrança que veio,
subiu escada,
brincou jardim,
morou a casa e infância de um dia.

Era doce o cheiro da vida,
do pão no forno,
da roupa limpa no varal,
dos afazeres dedicados,
daquela casa.


Era sagrado o som do trabalho,
das ferramentas pesadas,
do ofício árduo,
da incansável rotina,
daquela oficina.

Era sério o olhar corrigindo,
firme a voz
conduzindo
os dias difíceis
de família grande.

Mas eram francos os sorrisos
de alegria simples,
onde tudo se repartia,
gestos do amor
que era o bem maior.

Eram mágicas as noites reunidas
de fé compartilhada,
de visitas bem-vindas,
de histórias contadas,
de sonhos embalados
por mãos que costuravam
roupas e esperanças
e por outras mãos, cansadas,
que tiravam música
de um acordeom...

Hoje corri criança
ao encontro da alegria
que se perdeu pelos tempos,
nos ventos de empinar pipas,
nos céus de contar estrelas,

nas noites de brincar de susto,
nos banhos de rio esquecidos,
nas chuvas, nas tardes,
nas ruas de barro,
nas areias de castelos deixados...

                                 Vozes, dias, vida, sonhos...
                                 Hoje corri criança
                                 na lembrança que veio,
                                 subiu escada,
                                 brincou jardim,
                                 morou a casa
                                 e a alegria de um dia...


                                 E chorei.
                                 Choro vivo,
                                 de pura saudade...

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Helena Chiarello
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Foto (montagem): Helena Chiarello

13/03/2009

Epitáfio

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

E por ter sido feliz e ter vivido em sonho
e ter feito do amor minha maior virtude,

quero deixar escrito, no silêncio em que me ponho:

“Também morri de amar mais do que pude”.

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Helena Chiarello
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(Con permiso, Vinícius...) .

01/03/2009

Efeito borboleta

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

         "Uma borboleta que bate asas na China pode causar um furacão na América".
_____Efeito borboleta. Termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos, que foi tema de um premiado filme de suspense.
_____Segundo a cultura popular, nessa teoria, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e assim, talvez, provocar um tufão do outro lado do mundo.
_____Sempre me senti atraída por essa idéia, mais pela lógica absurda que ela representa do que pela ciência que a explica.
_____Claro que a teoria é muito mais complexa, esse resultado tão dramático se mostra apenas como uma interpretação alegórica do fato. O que acontece é que quando movimentos caóticos (como o movimento de um corpo) são analisados através de gráficos, sua representação passa de aleatória para padronizada e depois de uma série de marcações, o gráfico pronto passa a ter o formato de borboleta.
_____Mas, para efeito de ilustração desse texto, fico com a versão popular, essa fantasiosa, essa da possibilidade fantástica de que o bater de asas de uma simples borboleta possa alterar todo o curso das coisas.
_____Associei a teoria e o filme às emoções.
_____No caso, o “bater de asas” seria uma determinada situação, um estímulo inicial gerador de uma determinada emoção, que pode ser positiva ou negativa. O efeito, poderia ser exemplificado pela facilidade que o ser humano tem de estar sujeito a desenvolver uma infinidade de emoções diferentes, afetos ou desafetos, conforme os acontecimentos e as situações vividas e permitir que elas tomem proporções cada vez maiores.
_____A borboleta bate as asas e lá vamos nós. A “agitação do ar" em torno desse gesto é o que escapa ao nosso controle e pode crescer adquirindo proporções impressionantes.
_____Se as emoções são positivas, despertam experiências agradáveis e prazerosas, como o amor, a alegria, o bem estar e a felicidade. São emoções que aproximam as pessoas. Se negativas, despertam sensações desagradáveis como a raiva, a tristeza, a ansiedade e o medo. Resultado: afastamentos, desentendimentos, dores.
_____Dificilmente nos perguntamos o que realmente sentimos e que consequências terão nossas ações antes de tomarmos certas atitudes. Isso ocorre porque as emoções funcionam como um turbilhão, o “ar movido pelo bater de asas”, e nem sempre temos tempo ou habilidade para compreender o que está se passando dentro de nós e à nossa volta.
_____Os “tufões” seriam as conseqüências disso tudo, que podem ter um papel fundamental nos relacionamentos, na saúde e na qualidade de vida das pessoas.
_____Na Física, quando queremos saber a evolução de um sistema é necessário saber as condições iniciais do problema. Um sistema caótico é extremamente sensível às suas condições iniciais. Isso quer dizer que uma pequena alteração em seu estado inicial pode produzir uma enorme diferença no futuro. Seria assim, o bater de asas o início, e o final, o tufão.
_____No filme, o protagonista é um rapaz que, para resolver seus problemas do presente, volta ao passado e o muda radicalmente. Isso o insere em um ciclo que cria problemas cada vez maiores, envolvendo de forma trágica as pessoas à sua volta. Então ele descobre que alterar o passado não significa controlar o futuro. Com as emoções, nem é possível voltar atrás para alterar o passado, e muito menos controlá-las para que sejam apenas positivas no que há por vir. A vida humana é complexa e dinâmica.
_____O que é possível fazer, para que os “tufões” não sejam tão avassaladores, então, é estar alertas. Primeiro, conhecendo nossas próprias emoções e percebendo como elas influenciam nossa conduta. Segundo, conhecendo como nossa conduta influencia a vida dos outros, sem esquecer o respeito às emoções das pessoas que nos cercam.
_____Uma ação sempre vai implicar uma reação. Um gesto incentiva outro. Um estímulo, inevitavelmente atrairá uma resposta, em igual ou maior intensidade. Quando identificamos o que sentimos, quando temos segurança do que sentimos, podemos perceber com mais facilidade os sentimentos dos outros, e assim, aumentar a tolerância e o respeito, facilitar a comunicação e evitar frustrações, mágoas e desentendimentos.
_____É essencial lembrar sempre dos efeitos, ao permitirmos que nossas próprias emoções, movidas pela vontade de voar, saiam por aí “batendo as asas”. Há pessoas no lugar onde podem ocorrer os “tufões”.
_____Refletir sobre isso pode ser um modo interessante de observar a suavidade das asas de uma borboleta.
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Helena Chiarello
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26/02/2009

De ontem, de hoje e de sempre

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

____Alguns anos atrás, deparei-me com uma tarefa no mínimo esquisita, quando fazia minha especialização em Artes Plásticas.
_____A Orientadora da disciplina de Folclore Brasileiro havia solicitado uma autobiografia folclórica. Pensei: não vou ter nada para escrever sobre isso!
_____Voltei para casa com aquilo me cutucando o sossego, já pensando no que inventaria para não deixar de cumprir o trabalho. Adiei o máximo seu início, quase deixando para a última hora.
_____Um dia, com a menor vontade que tinha, sentei-me em frente ao computador. Rebusquei em minhas gavetas mentais qualquer coisa que eu pudesse relatar. Esforço mental de deixar a testa queimando.
_____Como se começa uma autobiografia? (Irritação!)
_____Com o nascimento da pessoa (No caso, o meu. E faz tempo isso). Mais esforço mental. “Vamos lá, escreve qualquer coisa, a primeira idéia que surgir. É só começar, o resto vem.” Repeti a mim mesma a frase tantas vezes dita aos outros.
_____Comecei a escrever.
_____Nasci no dia quatro de fevereiro, numa quarta-feira, às quatro horas da tarde. (Quase um número cabalístico.)
_____Por ocasião do meu nascimento, minha mãe foi atendida por uma parteira, o comum na época. Escrevi isso, parecendo tolas as palavras.
_____No exato momento do meu primeiro choro, tudo começou a acontecer, sem que eu esperasse ou compreendesse. De repente, lá estava eu, bebê ainda, desvinculada do cordão umbilical e envolta em camisetas do lado avesso para evitar que eu trocasse o dia pela noite (?) e perturbasse em demasia o sono dos outros, sendo lambida na testa onde eram colados (Com saliva alheia!) fiapos de lã da minha própria roupa com a finalidade de curar meus soluços, tomando banho com água de tijolo cozido para curar a icterícia fisiológica, as brotoejas e por aí afora. Nem pude ver se eu era bonita, porque os espelhos da casa estavam todos cobertos para evitar o reflexo pernicioso. (Foi a primeira palavra difícil que aprendi.)
_____Inúmeras vezes enfrentei simpatias e benzimentos contra “quebranto”. (O que seria mesmo isso?)
_____Meu primeiro banho só aconteceu depois de cair o coto umbilical, o qual foi enterrado com todas as honras a que “um pedaço do corpo humano” possa ter direito. (Achei exageradamente dramático!)
_____Pra não dizer que não falei nos chás curativos e milagrosos, tomei vários!
_____Por tudo isso, tinha uma saúde de ferro. Como todo bebê saudável, era exigente. Berrava de manhã à noite e como, aparentemente, não tivesse nenhum mal físico que justificasse a berraceira, as comadres diagnosticaram “arca caída” (Coisa que até hoje não sei o que significa! Mas deve existir, porque a minha caiu, sabe-se lá de onde). E lá foi a minha mãe à cata de benzedeiras e simpatias curativas, pois já estava deixando todo mundo com problemas de audição (Para o que, inevitavelmente, alguém conheceria outra simpatia). Mais um problema resolvido.
_____Minha mãe cantava para me ninar. Essa era a parte melhor de todas. Eram cantigas lindas! Quanta segurança e conforto! Como eram gostosos aqueles momentos! (Eu lembro, eu lembro!)_____Mas, noites de vigília e berreiros à parte, fui crescendo. Meu primeiro dente foi um sucesso! A tia que o descobriu me presenteou com um objeto de porcelana para que tivesse dentes fortes e bonitos.
_____Comecei a andar com um ano, me transformando numa grande exploradora de armários, gavetas e guarda-roupas, cujas portas jamais poderiam ser esquecidas abertas, não traziam sorte. Esmaguei alguns dedos e assim fui perdendo, aos poucos, a mania.
_____Quando andava pela casa com o guarda-chuva aberto (Brincadeira que eu adorava!), ou corria ao redor da mesa, ou deixava objetos em forma de cruz, era um Deus me acuda! Como brincadeiras tão inocentes poderiam provocar a morte de alguém da família? “Para com isso, menina, não sabe que não presta?” “Não prestava” também deixar os chinelos virados, quebrar espelhos, derramar sal e tantas outras que eu não compreendia.
_____Por volta dos cinco ou sei anos, o que eu mais gostava era de algumas das visitas que meus pais recebiam. Eles chegavam e todos ficavam em volta do fogão de lenha ouvindo os “causos” intermináveis que todos tinham para contar, entre uma cuia de chimarrão e outra. A moral da história era sempre aplicável (Isso eu também lembro. Verdadeiro terrorismo!) a nós, as crianças. Eram histórias de mulas-sem-cabeça, de cachorros que eram enormes e acompanhavam viajantes em noites escuras e chuvosas, mulheres de preto que apareciam munidas de lampiões em lugares estratégicos, de pessoas incrédulas que debochavam de determinado fato e eram castigadas por forças do além, histórias de quaresma, de sextas-feiras e tantas mais.
_____Em consequência disso, voltei a perturbar o sono de minha mãe, mas desta vez era por medo mesmo. E de nada adiantava eu me convencer que “era boazinha” (Pelo menos, na hora de dormir eu era) e que aquelas coisas jamais aconteceriam comigo! Quem me garantia que atrás da porta ou debaixo da cama não havia uma “visagem” sem capacidade de discernimento entre pessoas boas ou más?
_____Por volta dos seis anos, perdi meu primeiro dente (Bem que os espelhos da casa poderiam ser cobertos agora)! Foi a minha primeira grande dúvida: deveria jogá-lo no telhado, no formigueiro, no fogo ou deixá-lo sob o travesseiro? Para não incorrer em erro, a cada dente perdido optava por uma delas. Mas a tal fada do dente era pão-dura.
_____No ano seguinte, comecei a estudar e na escola tive a minha grande oportunidade: eu ia participar do casamento caipira, na festa junina da escola. Foi a glória! Vestida de chita, cabelos trançados e sardas pretas no rosto (Nem precisava, eu tinha muitas)! Este foi um acontecimento que ilustrou meus anos escolares seguintes, até o vestido de chita ficar pequeno.
_____Na escola, a hora do recreio era uma alegria! Quando não brincávamos de roda, sempre havia um jogo diferente: brincar de anel, amarelinha, caracol, peteca ou pião. Foi nessa época que caíram por terra todas as coisas maravilhosas em que acreditava: a cegonha, o coelhinho, o Papai Noel, as bruxas, os duendes e as fadas...
_____Quando eu tinha meus treze ou quatorze anos, era magrela e comprida, “uma tábua”, diziam (E isso eu lembro bem, também)! Todas as minhas amigas já eram “moças feitas” e eu me sentia “despeitada”. Algumas amigas da minha mãe ensinaram que tomar água na concha de cozinha fazia crescer os seios (Desespero de causa)! Nunca tomei tanta água na vida!
_____Com dezesseis anos, este e outros problemas estavam superados. Chegava a vez das “correntes” e simpatias para arranjar ou segurar namorado, tais como escrever nomes em papéis que eram colocados sob o travesseiro, dizer, dizer três vezes o nome de certa pessoa cada vez que tropeçasse, algumas cartas que se recebia e quase morria escrevendo cópias para passar adiante, orações e velas para determinado santo e por aí afora. O mês de junho era rico em datas propícias a pedidos e adivinhações, nas quais se acreditava com tanta força que às vezes até dava certo.
_____No dia do meu casamento, foi um tal de esconde-esconde, pois “não era bom” o noivo ver a futura esposa vestida de noiva antes da cerimônia. Nesse dia, um fato peculiar: eu tinha uma amiga que já havia “passado da hora” de casar. A mãe dela, meio sem jeito, me encomendou o “desencalhe” da moça (Tomara que ela não leia isso)! Entrei na igreja como o nome dela escrito em um papel preso dentro do meu sapato. Eu devia, ao dar os três primeiros passos na igreja, repetir seu nome. Juro que fiz isso porque o papel ficou me cutucando o pé, foi impossível esquecer. Hoje, graças a mim, ela está casada e feliz.
_____Algum tempo depois, tive meu primeiro filho, depois minha filha. E de repente, me vi repetindo algumas coisas que já julgava esquecidas e que jamais pensei que faria.
_____Descobri a alegria de embalar uma criança cantando as cantigas que ouvi e aprendi de minha mãe. Fiz muitos, muitos chazinhos. (Não lembro de ter coberto espelhos. Aliás, ficava horas na frente deles, me "vendo" com meus filhos no colo). Uma das coisas que mais gostava de fazer era sentar-me no chão, brincar com meus filhos e passar maravilhosas horas entre histórias, parlendas, charadinhas, pipas, petecas, cirandas e amarelinhas...
_____Ao me levantar, aquela manhã, com a preocupação de realizar o bendito trabalho e depois, ao conseguir escrevê-lo, percebi o quanto tudo o que vivenciei desde a minha infância ainda está presente nos meus dias. Recordei com alegria todas as coisas que, por tradição e “segurança”, repeti com meus filhos: os chás, os benzimentos, as simpatias, os cuidados...
_____E como dizer, do alto do meu ceticismo que busca explicação científica e lógica pra tudo, que fiz tudo isso com a aquela certeza satisfeita de estar fazendo a coisa certa?
_____Hoje, meus filhos estão adultos. Ao olhar para a história de cada um deles, posso ver sinais de outras conhecidas histórias: a minha, de meus pais, de meus avós... E a tarefa, que no início me pareceu tão enfadonha, me fez deu uma alegria imensa por poder recordar e por sentir que estamos todos no mesmo tempo e no mesmo espaço, acumulando, preservando e dividindo inestimáveis riquezas.
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Helena Chiarello
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15/02/2009

Coisas que sei gostar

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

Há um caminho que gosto de percorrer nas minhas tardes. Não tem barulho, nem concreto, nem rostos, nem pressa. Apenas passos, os espaços, paisagem. É um trecho sobre os trilhos da antiga estrada de ferro, que sempre reservo como a última parte das minhas caminhadas. A calma mora ali. Há silêncio, hortênsias, lírios. Há paz, sensações e lembranças. Gosto desse presente, pedaço de passado, intacto e ao alcance.
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Hoje, um impulso encostou o ouvido aos trilhos para ouvir a saudade do trem. E um sorriso correu com a infância que veio de repente, a contar cada passo sobre os dormentes que se repetiam com a frequência do coração. Aos saltos, desajeitado, ofegante. Mas feliz, com o simples presente de ser.

E poder estar ali.
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Helena Chiarello
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11/02/2009

Hoje

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

O relógio do lado, o acordar demorado, a preguiça, a coberta, 
a cortina entreaberta, 
molhada a vidraça, a rua e a praça, 
as nuvens ao léu, o cinza do céu, 
suave garoa, a brisa tão boa, a cor do jardim, a gota, o jasmim, 
a hora acordando, a vida chamando, o tempo bem-vindo, 
o dia, que mesmo chovendo, parece tão lindo!

(Um pensamento florido, um olhar comovido. 
                                Porque existem coisas com tanto sentido?)
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Helena Chiarello
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29/01/2009

Porque lembrar é viver de novo...

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

...Eu lembro. E tenho saudades. Da casa de madeira, do pátio grande de terra, da horta de cheiros e milhos verdes, do pedacinho de grama, do pé de pessegueiro, do forno de tijolos, do cheiro de pão assado, dos ruídos da oficina, dos carros antigos, dos lençóis no varal, do poço de água pura, do caramanchão de flores lilases, das pessoas, das vozes, dos sonhos, das canções e orações e de tudo que era tão simples e tão fácil de viver. Eu lembro. E tenho saudades daqueles dias descalços, que hoje eu sei, eram felizes.
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Helena Chiarello
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23/01/2009

Acaricia mi ensueño...

Foto: Helena Chiarello

______Já era tarde ontem, quando a lua veio.
______Ela me encontrou ali, com a falta de sono apoiada à janela, sonhando a noite e olhando a vida.
______O céu e a paisagem. Escuros e calmos. Silêncio bom. Nem havia a rua distante, só o suave murmullo da canção que tocava pela terceira vez.
______Foi nessa hora de olhar e ouvir sem precisar pensar, que ela chegou. Foi afastando as nuvens com suavidade, acariciando mansa o céu, deslizando, iluminando. E finalmente, mostrou-se inteira, esplendorosa, imensa.

______Nunca a vi tão linda!
...Ella aquieta mi herida, todo, todo se olvida!...
______Deitei os olhos por todos os lugares onde ela pousava. O céu, a cena sombreada, aquele pequeno jardim que guardava lembranças de uma chuva de fim de tarde.
...La rosa que engalana se vestirá de fiesta…
______Nunca havia percebido. Brilho de luar nas gotas. Nas flores. Na vida. No mundo.
…No habrá más que armonía…
______Por um instante, tive a sensação de ouvir o murmúrio de um suspirar.
______Penso que foi ela.
______Uma sensação de alegria prateada espalhou-se, no céu e no chão.
______E por eu estar ali, entre um e outro, em mim também.

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Helena Chiarello.
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