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30/11/2012

"Bença", pai!

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

Abrir o baú das memórias e rever as muitas coisas do meu tempo de criança, sempre me faz um bem enorme!

Ali, tem de tudo um pouco: histórias, momentos, hábitos, sorrisos, saudades. Em meio a tantas coisas, há uma casa aconchegante, uma família barulhenta, um momento de oração, um acordeom inesquecível, uma dedicada máquina de costurar e uma vida de união, simplicidades e muitos afetos.

Nem todas as lembranças são felizes, é verdade. Mas há muitas que são, e tão especiais que acabaram incorporadas ao meu jeito de pensar, de viver e de ser. Outras, por tão vivas, chegam a ser presentes e palpáveis.

É muito fácil ouvir a voz da minha mãe determinando o final da “bagunça” e encaminhando a gente pra cama com a ordem:

– “Pede benção pro pai e vai dormir!”

O ritual era sempre o mesmo. O banho tomado, a roupa limpinha, a “fila” para escovar os dentes e, não raro, alguma provocação ou molecagem de última hora no banheiro, o que sempre rendia um pijama molhado e, obviamente, uma bronca ou uns puxões de orelha.

O ritual podia até mudar de sequência, mas o final era sempre o mesmo:

– “Bença”, pai.

Aquilo era lei. E uma lei não muito bem entendida por mim, naquele tempo. Não conseguia perceber a necessidade ou a dimensão daquela frase. Mas obedecia e fazia isso tão automaticamente e, às vezes, de forma tão apressada que quase nem ouvia a resposta.

Mas o tempo sempre se encarrega de dar significado às coisas. A maturidade que cresceu comigo me deu o entendimento e a sensibilidade necessária pra medir o tamanho e a importância desse gesto. Uma bênção, gerada pelo desejo sincero de um coração de pai, é preciosa demais para não ser recebida de mãos e coração abertos! É cara demais pra não ser compreendida, guardada e levada pela vida afora. É tão vital! É tão eficaz! Traz uma segurança, um bem-estar, um conforto e uma paz imprescindíveis! E com o tempo (bendito tempo!) o que, então, era hábito, passou a ser necessidade.

Não tenho mais meu pai comigo. Quer dizer, não tenho mais aquela amada figura física, aquele sorriso franco, aquela voz de sábias palavras e gostosas brincadeiras, aquelas mãos firmes de conduzir e educar, aqueles braços fortes de trabalhar e acolher. Mas o tenho sim, tão vivo nos exemplos, nas atitudes, nas coisas que sempre fez e disse; tão presente em tudo que sempre acreditou e ensinou que é como se o tivesse pertinho de mim, o tempo todo, como antes.

E é por isso que hoje, depois do dia, quando silenciam todos os ruídos e “é hora de dormir”, minha saudade ainda sussurra:

– “Bença”, pai.

E uma quentura gostosa no coração me dá a certeza da resposta:

– “Deus te abençoe, minha filha”.



Helena Chiarello 


16/02/2012

Os louros da vitória!

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal
           
           Foi em dezembro. Decididamente.

         Mas não foi uma coisa assim, impensada. Depois de uma verdadeira maratona por pelo menos uma dúzia de salões de cabeleireiros nessa cidade, e experiências não muito bem sucedidas que me fizeram sentir vontade de sair gritando de cada um deles, eu decidi. Vou deixar o cabelo crescer.

       Explico: não é que eu seja assim tão exigente! Acontece que depois de pelo menos uns 10 anos usando o mesmo corte, realizado de forma incrivelmente habilidosa pela mesma pessoa (que já sabia até para que lado os fios pretendiam arrepiar), eu mudei de cidade. E toda mudança implica em adaptações. Ou, pelo menos, na esperança de que elas aconteçam.

       É uma pena que a gente não possa trazer na bagagem algumas coisas que são habituais e fazem tanto bem ao ego, como por exemplo, uma cabeleireira com mãos e tesouras mágicas! E era isso mesmo. Entrava no salão, nem precisava dizer o que pretendia. Uns tique-tiques aqui e ali e pronto! Saía com aquele cabelo curtinho e bonito que, com um pouquinho de gel estrategicamente aplicado, ficava à prova de chuvas e ventanias. E o melhor, pronto pra qualquer evento ou situação, sem nenhum estresse!

       Pensando em manter a praticidade e o estilo, lá fui eu, seguindo as dicas de quem já conhecia a cidade, procurar um salão que conseguisse fazer o corte (o mesmo, apenas o mesmo!) que sempre deu jeito nesses cabelos tão desgovernadamente crespos desde que nasci!

      A primeira vez, deu medo. Aquela tesoura afiadíssima investia em minhas madeixas sem dó nem piedade! E por mais que eu tentasse (educadamente, mas de olhos arregalados e quase protegendo a cabeça com as mãos) orientar a pessoa que a portava para que não radicalizasse demais, não deu outra! Saí do salão com cara de "milico" logo depois do alistamento militar ou recém incorporado ao exército. Um verdadeiro desastre!

       As demais tentativas não foram muito diferentes, nem mais felizes. Nesses dois anos de blumenauense, já experimentei (involuntariamente) de tudo: estilos "escovinha", "ovelhinha desgarrada", "anos 60 em franca decadência", "punk rock", "quase moicano", "faça você mesmo", "meu deus do céu", "mas que droga é essa", etc., etc.

       Ainda bem que cabelo cresce. Demora pacas, mas cresce. Esse foi, por várias vezes seguidas, meu consolo.

      Agora, desisti. O tal "aposte no cabelo curto e fique linda" não funciona direito aqui. Talvez eu não tenha ido ao lugar certo, claro. O fato é que, depois de tantas tentativas e frustrações, resolvi apelar. Pode ser que com um pouco de sorte, eu fique com a cara da Meg Ryan naquele Cidade dos Anjos que gostei tanto. Ou, com um pouco mais de sorte ainda, quando o crescimento estiver mais "evoluído", eu acostume com a ideia, passe a gostar, aprenda a conviver amistosamente com ela e até saia por aí, torcendo que faça bastante vento pra poder copiar aquela pose da Gisele Bündchen na propaganda da Pantene.

       Mas cabelo nunca cresce com a velocidade que a gente gostaria. E mais, ele parece fazer de propósito em estacionar naquele ponto onde não se encontra nenhuma solução estética! Por enquanto, tá complicado. O gel já não funciona, os grampos e presilhas ainda não seguram "a onda", as tiaras não têm habilidade suficiente para fazer milagres e a força da gravidade não está atuando como deveria. Mas como tudo nessa vida tem lugar e hora pra tomar jeito, estou, aflita e impacientemente, apostando nisso!

        Claro que sempre existem compensações: há alguém aqui que está vibrando com a novidade! Um verdadeiro fissurado por louras, longas e crespas madeixas que está empolgadíssimo com a ideia e não mede esforços pra ajudar a superar essa fase de crescimento multidirecional que tem se refletido tão impiedosamente em meu espelho.

     E é desse jeito, entre estímulos e dúvidas, esperanças e desesperos, que sigo tentando essa façanha, pedindo aos anjos (que têm vastíssima experiência em cabelos enroladinhos e conhecem todos os truques para apresentá-los sempre impecáveis e bonitos), que me mantenham firme e forte nesse propósito. Que não permitam recaídas e me tragam os louros (e crespos) da vitória! E que, por favor, façam esse imensurável e insólito esforço valer a pena.


Helena Chiarello

Foto minha: 2 anos depois.. rsrs