Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal |
Abrir o baú
das memórias e rever as muitas coisas do meu tempo de criança, sempre me faz um
bem enorme!
Ali, tem de
tudo um pouco: histórias, momentos, hábitos, sorrisos, saudades. Em meio a
tantas coisas, há uma casa aconchegante, uma família barulhenta, um momento de
oração, um acordeom inesquecível, uma dedicada máquina de costurar e uma vida de união,
simplicidades e muitos afetos.
Nem todas as
lembranças são felizes, é verdade. Mas há muitas que são, e tão especiais que
acabaram incorporadas ao meu jeito de pensar, de viver e de ser. Outras, por
tão vivas, chegam a ser presentes e palpáveis.
É muito fácil
ouvir a voz da minha mãe determinando o final da “bagunça” e encaminhando a gente
pra cama com a ordem:
– “Pede benção
pro pai e vai dormir!”
O ritual era
sempre o mesmo. O banho tomado, a roupa limpinha, a “fila” para escovar os
dentes e, não raro, alguma provocação ou molecagem de última hora no banheiro,
o que sempre rendia um pijama molhado e, obviamente, uma bronca ou uns puxões de
orelha.
O ritual podia
até mudar de sequência, mas o final era sempre o mesmo:
– “Bença”,
pai.
Aquilo era
lei. E uma lei não muito bem entendida por mim, naquele tempo. Não conseguia
perceber a necessidade ou a dimensão daquela frase. Mas obedecia e fazia isso tão
automaticamente e, às vezes, de forma tão apressada que quase nem ouvia a
resposta.
Mas o tempo
sempre se encarrega de dar significado às coisas. A maturidade que cresceu
comigo me deu o entendimento e a sensibilidade necessária pra medir o tamanho e
a importância desse gesto. Uma bênção, gerada pelo desejo sincero de um coração
de pai, é preciosa demais para não ser recebida de mãos e coração abertos! É
cara demais pra não ser compreendida, guardada e levada pela vida afora. É tão vital!
É tão eficaz! Traz uma segurança, um bem-estar, um conforto e uma paz
imprescindíveis! E com o tempo (bendito tempo!) o que, então, era hábito,
passou a ser necessidade.
Não tenho mais
meu pai comigo. Quer dizer, não tenho mais aquela amada figura física, aquele
sorriso franco, aquela voz de sábias palavras e gostosas brincadeiras, aquelas mãos firmes de conduzir e educar, aqueles braços fortes de trabalhar e acolher. Mas o
tenho sim, tão vivo nos exemplos, nas atitudes, nas coisas que sempre fez e
disse; tão presente em tudo que sempre acreditou e ensinou que é como se o
tivesse pertinho de mim, o tempo todo, como antes.
E é por isso
que hoje, depois do dia, quando silenciam todos os ruídos e “é hora de
dormir”, minha saudade ainda sussurra:
– “Bença”,
pai.
E uma quentura
gostosa no coração me dá a certeza da resposta:
– “Deus te
abençoe, minha filha”.
Helena Chiarello