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27/06/2011

FotoGrafias

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal


De vez em quando, nada melhor que calça jeans, camiseta, um tênis velho e confortável, mãos no volante, caminhos inusitados e música. E a tarde e a paisagem inteiras à disposição.

E saio por aí, como quem nunca ouviu falar em técnica ou precisão, apenas com a intuição e a câmera na mão, transformando em pixels as muitas coisas que me impressionam.

É nessa hora, com a mesma Alma Nova que o Zeca Baleiro gosta de cantar comigo, que aprendo a esquecer horários, obrigações e normas e a sentir de perto tudo aquilo que abre clareiras na alma e escreve poemas na emoção.

As árvores e os momentos verdes, céus, estradas, flores, pontes, lagos, entardeceres, sóis, chuvas, lugares que amo e espaços que gosto de ver e estar.

Já pensei que seria maravilhoso poder registrar, além das imagens, os cheiros, as sensações, os silêncios interrompidos por pássaros, rios, cascatas e vento nas folhas. Mas não teria a mesma graça. Bom mesmo é fazer parte do cenário e poder respirar o instante, nutrindo a vida com muita beleza e paz. E a desculpa de fazer fotos me proporciona isso.

Claro, nem tudo são flores. Há barrancos e tombos, atoleiros e imprevistos, espinhos e dedos espetados, mosquitos, cães indesejados e lagartos inesperados. Mas há também os pés descalços na água fria, os joelhos no chão e uma vontade alegre e aventureira que sobe em árvores, que grita e ri de sustos, que descobre caminhos e tenta superar os medos de altura para fotografar cachoeiras incríveis e aquelas vistas da cidade de cima de um muro que, pela localização e “altitude”, bem poderia estar no Guinness.

Vale muito registrar as paisagens urbanas e o encantamento de cenas e imagens que transpiram a poesia de outrora, e transformar em imagens as sensações dos lugares que a vida me possibilita estar. Construções antigas, prédios em ruínas, casarões de um tempo muito anterior a essa modernidade (não menos bela) em que vivemos e que me colocam o pensamento e a emoção dentro de cada um deles, vivendo as vidas, sentindo os cheiros, ouvindo os sons e o eco de muitas histórias guardadas no tempo.

Longe de serem perfeitos, os resultados me animam. E há muito ainda por ver e, em fotos, grafar.

A ideia inicial de minhas brincadeiras fotográficas era mostrar o inverno, o gelo e o frio da minha cidade natal. Agora, são as primaveras, os verões, os outonos... E todas as outras “estações” de tempo, lugar e vida que me chamam lá. E de um jeito irresistível.

Por isso, quando não estou aqui, é porque estou [aqui]. E adorando!


Helena Chiarello
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Sempre que te vejo assim
...Minha velha alma
Cria alma nova
Quer voar pela boca
Quer sair por aí...
[Zeca Baleiro]
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02/06/2011

Quem disse que frio é romântico?

Foto: Helena Chiarello - arquivo pessoal

Sábado cinzento, dia glacial. É outono ainda, mas as temperaturas dos últimos dias são de um inverno pra pinguim nenhum botar defeito. Sabe Deus o que vem por aí.

Acordo com preguiça, dou uma espiada no relógio. Já não é tão cedo assim e tenho montes de coisas a fazer. Viro pro lado, dou outra espiada no dia pela fresta da cortina. Tudo pálido e esfumaçado, quase branco. Mais preguiça.

Termômetro, quatro graus negativos, agora. De madrugada deve ter feito uns três graus a menos. Melhor nem ter olhado. Haja disposição para sair da cama. Mas vamos lá, dizem que frio é psicológico. Vou fazer um pensamento positivo-terapêutico para acreditar que nem está tão frio assim, então.

Rotina, um banho pra acordar o corpo. Ligo o aquecedor que não adianta nada. Coragem. Abro o chuveiro. Um ronco diferente me avisa que alguma coisa não está certa. Insisto. A água teima, congelada nos canos, mas acaba cedendo. Quase posso ver cristais de gelo nas primeiras gotas que caem. Arrepiada até os cabelos, fico na torcida que o sistema elétrico vença o frio. Mais coragem. Entro de sopetão embaixo da água. Nem consegui proferir o palavrão que me veio à boca, o queixo tremeu e travou, tão roxo quanto todo o resto. Devo ter batido o recorde de velocidade em banho. Tortura física. Aquilo de que frio é psicológico é tudo mentira.

Visto-me rapidamente, sobrepondo peças de roupa e meias de lã, num efeito estético digno de esquimó. O vapor dentro do banheiro me esconde o espelho. Ainda bem, nem vejo o resultado.

Etapa dois: casa e cozinha. Casa, tudo bem, arrumações rápidas e secas, apesar de frias. Corre-corre, ajeita aqui, arruma ali. Pronto. Agora, cozinha. Desânimo beirando desespero. A pia cheia de louças me olha e ri, sádica. Bendita lavadora de louças que não comprei, mania de achar que algumas coisas são dispensáveis. Arregaço as mangas (ai!) e vou à luta. É a torneira que ri agora, riso rouco de gelo e sarcasmo. Paciência. Aguardo mais um pouco, torneira aberta. Nem uma gota. Vamos ver quem ganha. Uso algumas estratégias. Ruído mais forte, um som de sólido sobre os pratos. O gelo, em cubo cilíndrico cai, liberando a água. Ganhei! Ou perdi? Começo a lavar a louça. Arre!! Essa semana mesmo providencio uma torneira elétrica, juro! Concluo com extremo e arrepiado esforço a tarefa, seco rapidamente as mãos, verificando se não perdi nem um dedo. Estão todos aqui. Cianóticos, mas estão.

Etapa três: padaria, supermercado. Sair à rua, mesmo para compras rápidas, teria sido uma coisa que eu dispensaria hoje. Agora sim, me obrigo a dar uma olhada no espelho. Fica feio ir ao mercado de pantufas? Fica. Coloco algo mais apresentável e lá vou eu. O vento úmido acentuando a sensação térmica me deu de presente, agora, orelhas roxas. Tive a impressão de que se eu tocasse nelas, esfarelavam. Senti saudade de ter cabelos longos. Voltei o mais rápido que pude, guardei as compras, coloquei as palmas das mãos sobre as orelhas (ainda estavam ali!), puxei a gola da blusa de lã sobre o nariz que lembrava o de um artista de circo, devolvi a pantufa aos pés para recuperar a circulação e a sensibilidade.

Obrigações cumpridas, aleluia! Vamos à parte boa. Um café quentinho, abrir e-mails, comentar amigos, ler, escrever. Enrolada num cobertor, óbvio. O calor do fogo não me alcança aqui, nesse cantinho “internético”.

Tentei escrever, comecei três poemas, falando de verão, de calor, de sol, de mormaço, de suor e tudo o mais. Mas o frio, ciumento, não me deixou terminar nenhum deles. As ideias ficaram encarangadas como as mãos que as digitavam. Desisti.

Resolvi escrever sobre o clima dessa sucursal do Polo Norte. O de hoje, especificamente. Isso pra nem lembrar aquele dia que fez os famosos 14 graus negativos que colocaram minha cidade no recorde oficial brasileiro de temperatura mínima. Nem aqueles das infalíveis geadas, nos quais o ar glacial que me invade os pulmões e refrigera o corpo todo me lembra o fantástico sistema daquelas serpentinas pra gelar chope. Nem os de neve (tão lindos, não!??) que frequentemente aqui ocorrem. Melhor nem tocar no assunto.

Ainda bem que amanhã é domingo. Danem-se o frio, as torneiras e chuveiros congelados e o vento cortante. Vou acordar tarde, depois do sol, se ele vir. E ficar torcendo que na segunda-feira eu não tenha que raspar o gelo do para-brisa durante o trajeto até o trabalho e consiga executar tarefas simples como andar, falar e movimentar-me sem o receio de congelar e quebrar no meio de cada uma delas.

Pensando mais além e não sendo tão insensível, se o frio me atinge dessa forma, com todo conforto que tenho, o que dizer de quem não o tem? Tema para um outro escrito, bem menos divertido e imensamente mais sofrido.

Então... Podem pensar o que quiserem e até discordar da ideia, mas frio como esse aqui só é romântico quando eu penso nele, em pleno verão, debaixo de um solzão de rachar, deitada numa cadeira de praia, rodeada de areia e mar por todos os lados.

...Quanto falta pra chegar dezembro?


Helena Chiarello


(Escrita em Junho de 2008, em Caçador-SC, num dos dias mais frios que tive notícia. Republicada hoje, porque o frio que fez aqui essa noite me trouxe sensações bem parecidas).

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