Saímos pra jantar e a escolha, para obedecer a um roteiro bem eclético, foi um restaurante japonês bastante conceituado em nossa cidade.
Até aqui, tudo perfeito. Casa cheia, ambiente finíssimo, decorado com aquela belezura de bom gosto oriental, boa música, tranquilidade, ótima comida, excelente companhia. Fomos recebidos com o tradicional irashaimase (sejam bem-vindos), dito com reverência e cortesia por um rapaz que nos conduziu até a mesa.
Até aqui, tudo bem também.
Até aqui, tudo perfeito. Casa cheia, ambiente finíssimo, decorado com aquela belezura de bom gosto oriental, boa música, tranquilidade, ótima comida, excelente companhia. Fomos recebidos com o tradicional irashaimase (sejam bem-vindos), dito com reverência e cortesia por um rapaz que nos conduziu até a mesa.
Até aqui, tudo bem também.
Acontece que minha origem italiana e por extensão, ocidental, me possibilitou, ao longo desses anos todos, desenvolver inúmeras habilidades no manuseio dos maravilhosos e práticos garfo e faca. E um restaurante japonês vai te colocar à frente, conveniente e inevitavelmente, aqueles desequilibrados e temperamentais hashis no lugar de talheres. Claro que a gentileza do garçom vai oferecer a outra opção. Mas “em Roma, como os romanos”. Então, aos hashis. Mas claro, optando por aquela esplêndida solução de usá-los amarrados com elástico, o que os transforma numa espécie de pinça para facilitar a vida dos iniciantes. Ou desajeitados, como é o meu caso.
Apesar de não apreciar adequadamente alguns quitutes in natura da cozinha oriental, sabia que haveria alguns salvadores e saborosos “cozidos ou assados” no cardápio que me livrariam de uma "saia justa" gastronômica. E claríssimo que a escolha do meu prato, como sempre, obedeceu rigorosamente ao critério do “isso é fácil de segurar”.
Pratos servidos, conversa agradável e descontraída, brincadeiras em relação à minha excessiva concentração no manuseio (ou hashiseio?) dos alimentos, acompanhadas de justificativas de minha parte por conta da exagerada pressão do elástico no meu hashi, que o deixava demasiadamente aberto, sendo necessário um esforço ninja para segurar o que devia ser segurado. E entre risos e brincadeiras, a noite transcorria agradável e festiva.
Mas claro que nem tudo foram flores. Ou bambus. Na mesa ao lado, num volume de voz que não nos permitia a discrição de deixar de ouvir, duas ilustres senhoras conversavam, digamos, rumorosamente, sobre viagens e grifes, bolsas e sapatos, jóias e perfumes e todas as coisas essenciais a cada uma delas. Confesso que nos chamou a atenção a quantidade de vezes que o garçom (o mesmo que nos recebeu tão cordialmente) foi solicitado àquela mesa. E todas as vezes com alguma exigência ou reclamação que destoavam da harmonia, da educação e da tranquilidade do ambiente.
Foi então que aconteceu. A distinta e volumosa senhora havia acabado de chamar, mais uma vez, o rapaz. Fazia um discurso sobre o quanto o atendimento estava deixando a desejar e o repreendia pela demora em trazer a conta. Ele transpirava de nervoso, e polidamente tentava se desculpar, tratando com o máximo respeito e gentileza a quem dessas qualidades, obviamente, não sabia fazer uso.
Não pude deixar de pensar que se ele dominasse o Bu-Shi-dô ou quaisquer outras artes de guerra, as duas corriam sério perigo, porque até para um samurai, paciência e servidão têm limites.
O que veio a seguir não foi proposital, eu juro! O meu "hashi-catapulta" foi o culpado. Aproveitando-se da luta injusta entre a cultura milenar do instrumento e a minha falta de jeito, um camarão kamikaze e desgovernado lançou-se como um bólido do meu prato, aterrissando direta e espalhafatosamente no decote da "educada" senhora.
Depois de suspender a respiração por alguns instantes e arregalar os olhos desejando com esse gesto desviar a decidida trajetória do dito cujo, voltei imediatamente a atenção ao prato e continuei comendo como se nada houvesse.
Depois de suspender a respiração por alguns instantes e arregalar os olhos desejando com esse gesto desviar a decidida trajetória do dito cujo, voltei imediatamente a atenção ao prato e continuei comendo como se nada houvesse.
O garçom viu, mas fez que não viu. As pessoas à minha mesa disfarçaram magnificamente. Com uma cara de nojo de tirar o apetite da humanidade, a mulher olhou o próprio peito e retirou o petisco do farto “aeroporto”. Passou um guardanapo para limpar as gotas de shoyu que aproveitaram a carona e olhou para todos os lados, indignadíssima, tentando descobrir a origem do projétil. Graças a alguma deidade xintoísta de plantão, não fui descoberta.
As duas pagaram a conta e saíram, visivelmente aborrecidas. Que pena! Continuamos o jantar, com um comportamento irrepreensível, com uma elegância digna da Vogue, até que as duas desapareceram no portão do restaurante. Aí, a gargalhada foi geral. Passamos o resto da noite nos divertindo com a singularidade do acontecido.
Na saída, o garçom nos acompanhou até a porta, agradecendo nossa presença com a mesma cordialidade e reverência com que nos recebeu. Só que agora, ele tinha um sorriso largo, agradecido e divertidamente cúmplice. Tenho certeza que se sentiu vingado.
Helena Chiarello
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